Embora o Código Civil brasileiro estabeleça que na sociedade limitada os sócios respondam apenas pelo valor de suas cotas e, solidariamente, pela integralização do capital social, o que se vê na prática é um ambiente de total insegurança jurídica, onde o governo, especialmente o poder judiciário, faz uso bastante desvirtuado e abusivo do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com a responsabilização pessoal dos sócios, diretores e administradores em casos de dívidas previdenciárias, trabalhistas e tributárias, dentre outras incursões indevidas no patrimônio da pessoa física.
Este tipo de situação acaba por limitar e gerar uma tensão desnecessária para aqueles que estão dispostos a investir no País e dificulta a atuação das empresas, aumentando indevidamente o risco das operações.
De acordo com o instituto da responsabilidade limitada os bens dos sócios não deveriam responder pelas dívidas das empresas, a não ser em casos de dolo ou fraude, ou nos casos em que a legislação especifique como é o caso da responsabilidade pessoal dos diretores, gestores ou representantes de pessoa jurídica nos casos de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, prevista na legislação tributária vigente.
No Brasil, infelizmente um juiz pode simplesmente ignorar essa separação mandando penhorar a conta, bloquear bens imóveis, dentre outros. Nas ações trabalhistas e previdenciárias a situação é ainda mais absurda. Temos casos de clientes que tiveram valores penhorados em suas contas em razão de ações trabalhistas ou previdenciárias cujo fato gerador da obrigação ocorreu depois de sua saída da sociedade.
Existe no Senado um anteprojeto de lei do novo Código de Processo Civil, no qual está contido um capítulo que regulamenta o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. O problema é que caberá aos juízes decidirem o que vem a ser o abuso da personalidade jurídica de modo que, se continuar no mesmo sentido do que já tem sido decidido, com certeza os empresários e investidores brasileiros ainda terão muita dor de cabeça pela frente, especialmente aqueles que não possuem nenhuma estrutura de proteção de seus bens e ativos particulares.
Existe também, em andamento, a proposta de um novo Código Comercial de acordo com o qual a justiça deverá adotar o rito ordinário antes de penhorar os bens pessoais dos empresários ou administradores. Mas essa proposta, de acordo com especialistas da área, ainda não é suficiente para se evitar abusos ou erros judiciários, especialmente pela existência, no nosso sistema processual, do instituto da medida cautelar e da antecipação da tutela, onde o juiz pode decidir antes mesmo de ouvir a parte contrária.
Outra situação constante dessa proposta de Código Comercial é a necessidade de empresas estrangeiras que queiram investir no Brasil de relacionarem todos os seus sócios, diretos ou indiretos, até chegarem à pessoa física. Isso, na prática, inviabilizaria completamente os investimentos de fundos de pensão estrangeiros, alguns com milhares de integrantes, dificultando de modo indevido a participação destes em empreendimentos no Brasil.
E são por essas e mais outras questões que se torna cada vez mais importante o estabelecimento de um planejamento jurídico feito de forma legal e ética, visando proteger e separar os bens da pessoa física, de preferência antes de se começar qualquer empreendimento empresarial e, se isso não for possível, que tal planejamento seja feito o mais cedo possível, antes das tormentas, para que a pessoa física não durma com a conta no azul e acorde com uma ordem judicial de bloqueio travando tudo e gerando o caos na sua vida financeira.
Giuliano F. Miotto
Advogado e Consultor Patrimonial no Estado de Goiás
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