Em grande medida, a esquerda e os grupos progressistas desapareceram. A relativa fragilidade da esquerda reflete em parte a queda dos sindicatos e dos grupos organizados de trabalhadores, que historicamente formavam a espinha dorsal dos movimentos de esquerda e socialistas. Mas a renúncia ideológica também desempenhou papel importante. Na medida em que partidos de esquerda passaram a depender mais das elites cultas, em vez da classe trabalhadora, suas ideias de política pública se alinharam mais estreitamente com os interesses financeiros e corporativos.
As medidas corretivas apregoadas pelos partidos de esquerda tradicionais continuaram, correspondentemente, limitadas: aumento dos gastos com educação, melhoria das políticas de bem-estar social, um pouco mais de progressividade na taxação e poucas coisas mais. O programa da esquerda passou a ser mais ligado a dourar a pílula do sistema dominante do que enfrentar as origens estruturais das desigualdades econômicas, sociais e políticas.
Na medida em que partidos de esquerda passaram a depender mais das elites cultas, em vez da classe trabalhadora, suas ideias de política pública se alinharam mais estreitamente com os interesses financeiros e corporativos
Há atualmente crescente reconhecimento de que as políticas baseadas em taxar e transferir têm alcance limitado. Embora haja muito espaço para melhorar os regimes de seguro social e fiscal, principalmente nos Estados Unidos, são necessárias reformas mais profundas para dar igualdade de condições em favor de trabalhadores e famílias comuns em uma ampla série de setores. Isso significa focar em produto, mão de obra e mercados financeiros, em políticas tecnológicas e nas regras do jogo político.
A prosperidade inclusiva não pode ser conquistada pela simples redistribuição de renda dos ricos para os pobres, ou dos segmentos mais produtivos da economia para os menos produtivos. Ela requer que trabalhadores menos qualificados, empresas de menor porte e regiões mais atrasadas se integrem mais completamente aos segmentos mais avançados da economia.
Em outras palavras, temos de começar com a reintegração produtiva da economia interna. Empresas grandes e produtivas têm papel decisivo a desempenhar nesse aspecto. Elas têm de reconhecer que seu sucesso depende dos bens públicos fornecidos por seus governos nacionais e subnacionais – tudo, desde a lei e a ordem e regras de propriedade intelectual até infraestrutura e investimento público em qualificações e em pesquisa e desenvolvimento. Em troca, elas têm de investir em suas comunidades municipais, em seus fornecedores e em sua força de trabalho – não como atividade de responsabilidade social corporativa, e sim como atividade principal.
Em eras anteriores, os governos se envolviam em atividades de extensão agrícola, a fim de disseminar técnicas para pequenos agricultores. Há um papel semelhante atualmente para o que Timothy Bartik, do W.E. Upjohn Institute for Employment Research, qualifica de “serviços de extensão de produção industrial”, embora as ideias valham também para os serviços produtivos. Governos que colaboram com empresas para estimular a propagação de tecnologias e técnicas de gestão de ponta para o restante da economia podem ser beneficiados por um repertório sólido de iniciativas desse gênero.
Uma segunda área de ação pública envolve a direção a ser dada à mudança tecnológica. Novas tecnologias como a automação e a inteligência artificial (IA) normalmente substituem mão de obra humana, com consequências desfavoráveis para os trabalhadores de baixa qualificação em especial. Mas isso não tem necessariamente de ser assim no futuro. Em vez de políticas públicas (como subsídios ao capital) que promovem tecnologias de substituição de mão de obra, os governos poderiam promover tecnologias que ampliem as oportunidades do mercado de trabalho para os trabalhadores menos qualificados.
O falecido economista Tony Atkinson, em seu livro magistral “Inequality”, questionou a razoabilidade de os governos apoiarem o desenvolvimento de veículos autônomos, sem a devida consideração aos efeitos disso sobre os motoristas de táxi e de caminhão. Mais recentemente, os economistas Daron Acemoglu, Anton Korinek e Pascual Restrepo escreveram sobre como a IA pode ser mobilizada de novas maneiras a fim de aumentar a demanda por mão de obra, ao permitir, por exemplo, que trabalhadores comuns se envolvam em atividades anteriormente fora de seu alcance. Mas tomar essa direção exigirá um esforço consciente dos governos de reexaminar suas políticas de inovação e de disponibilizar os incentivos adequados ao setor privado.
Além disso, os mercados de trabalho precisam de um reequilíbrio. A fragilização dos sindicatos e das proteções aos trabalhadores corroeu as fontes tradicionais de poder de oposição. Recente pesquisa mostrou que as empresas mantêm significativa alavancagem de poder de barganha sobre os funcionários, o que deprime os salários e as condições de trabalho. Reverter essas tendências exigirá uma série de políticas pró-trabalhadores, entre as quais a promoção da sindicalização, a elevação dos salários mínimos e a adoção de padrões regulatórios adequados para os trabalhadores da “economia do trabalho temporário”.
Os serviços financeiros são outra área que exige intervenção significativa. Os setores financeiros das economias mais avançadas continuam inflados. Eles representam risco contínuo à estabilidade da economia sem oferecerem benefícios compensatórios, em termos de aumentos dos investimentos nas atividades produtivas. Como argumentaram há muito tempo Anat Admati e outros, da Universidade de Stanford, os bancos necessitam, no mínimo, de exigências de capitalização mais elevadas e de um monitoramento regulatório mais estreito. O fato de as instituições financeiras terem saído relativamente ilesas da crise de 2008-2009 atesta, e de forma eloquente, seu poder político.
Como sugerem os fracassos da regulamentação financeira, por mais importantes que sejam essas reformas econômicas, elas têm de ser complementadas por medidas que corrijam a assimetria do acesso político. Nos EUA, a realização de eleições em dias úteis, e não em fins de semana ou feriados – juntamente com as restritivas regras de registro eleitoral, com as definições distorcidas de distritos eleitorais destinadas a favorecer certos partidos e com a multiplicidade de outras regras eleitorais – põe os trabalhadores comuns em significativa desvantagem. Isso vem se somar a regras de financiamento de campanha que possibilitaram que os membros mais ricos das empresas e da sociedade exercessem uma influência exagerada sobre a legislação.
O Partido Democrata passará por uma prova decisiva nas eleições presidenciais dos EUA, marcadas para daqui a menos de dois anos. Nesse meio tempo, tem uma escolha a fazer. Continuará sendo o partido que se limita a dourar a pílula de um sistema econômico injusto? Ou terá a coragem de enfrentar a injustiça da desigualdade atacando-a em suas raízes?
Dani Rodrik é professor de economia política internacional da Faculdade de Governo John F. Kennedy, da Universidade de Harvard, é autor de “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy”.
(Tradução de Rachel Warszawski)